
Na última terça-feira (26), contrariando todas as expectativas, a Câmara dos Deputados não conseguiu os votos necessários para acrescentar à Constituição brasileira a possibilidade de pessoas jurídicas realizarem doações a campanhas eleitorais. No dia seguinte (27), contudo, uma manobra do presidente da Casa, deputado Eduardo Cunha (PMDB), conseguiu aprovar a permissão para empresas doarem a partidos políticos, deixando para eles a responsabilidade por repassar os recursos aos seus candidatos.
O texto ainda precisa ser aprovado em segundo turno na Câmara e depois tem de passar pelo crivo dos senadores. Contudo, o que a eventual aprovação dessa emenda à Constituição representa para o sistema democrático brasileiro?
Esse interesse se refere diretamente a um imbróglio que se desenrola há mais de um ano no Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte já definiu como inconstitucional as doações empresarias a políticos e partidos. Está em curso um julgamento que foi interrompido a pedido do ministro Gilmar Mendes quando já estava com o placar de 7 votos a 1 a favor da inconstitucionalidade dessas doações - de um total de 11 ministros do STF - o que inviabiliza que o seu resultado seja alterado.
Mendes vem sofrendo pressão de diversos setores do mundo político e da sociedade civil para que libere o processo e permita a sua conclusão. No momento em que o ministro der seu voto e o julgamento for encerrado, o mundo empresarial não poderá mais influenciar as eleições por meio da doação de robustas quantias de dinheiro para seus candidatos favoritos.
A solução encontrada por Eduardo Cunha e por outros políticos que se beneficiam há tempos desse sistema foi acrescentar ao texto constitucional a permissão dessas doações. Com isso, a ação que está sendo julgada no Supremo perderia sentido e seria arquivada, permanecendo o atual modelo de financiamento de campanhas.
Cabe perguntar, então, por que uma empresa doa volumosos recursos a diversos partidos e a diversos candidatos ao longo das eleições?
Alguns poderiam argumentar que se trata de um gesto benevolente ou mesmo ideológico por meio do qual as empresas fariam essas doações com o mesmo objetivo com o qual um cidadão comum faz campanha nas ruas ou nas redes sociais pelo candidato de sua preferencia. Isso até poderia ser verdade se as empresas não fizessem doações a todos os principais partidos e candidatos, em geral privilegiando aqueles que estão à frente nas pesquisas de opinião.
A resposta correta a essa pergunta foi dada de forma surpreendentemente sincera por Paulo Roberto Costa, ex-diretor e réu confesso no esquema de corrupção na Petrobras: "Não existe doação de empresas que não queiram recuperar (o dinheiro) depois. Por que uma empresa vai doar R$ 5 milhões, vai doar R$ 20 milhões se lá na frente ela não tiver isso de volta? Não existe almoço grátis".
Ou seja, a doação eleitoral é na verdade um investimento que empresas que se relacionam com o governo ou que dependem de medidas e leis a serem aprovadas no Legislativo fazem esperando que seus objetivos empresariais sejam atingidos.
Muitos associam a corrupção apenas às grandes obras e aos grandes contratos do Poder Executivo. Contudo, no Congresso Nacional, a força dos grandes doadores de campanha é talvez ainda maior. Empresas de setores como telecomunicações, planos de saúde, agronegócio, bancos, construção civil, entre muitos outros, têm seus negócios diariamente afetados positiva ou negativamente por leis que são aprovadas por nossos representantes todos os dias. A doação eleitoral, passada ou futura, é a forma mais segura, direta e, até o presente momento legal, de garantir que os parlamentares votem conforme o interesse desses empresários.
Em outras palavras, a doação eleitoral é a forma legal de corromper aqueles que deveriam representar os interesses de toda a sociedade e não apenas daqueles que possuem condições de financiar a eleição deste ou daquele político.
O financiamento privado deturpa a democracia e a representação política, uma vez que, enquanto nós, cidadãos comuns, temos direto a apenas um voto, uma empresa, capaz de doar milhões aos partidos e candidatos, acaba tendo "direito" de conquistar milhares de votos aos políticos de sua preferência.
O financiamento exclusivamente público, com a criminalização do caixa 2 de campanhas e partidos, é a melhor forma de minimizar a influência que o poder do dinheiro de meia dúzia de empresários possui sobre os rumos do poder político eleito democraticamente. Alguns defendem a permissão de doação de pessoas físicas. No entanto, acredito que mesmo que apesar desse mecanismo minimizar o problema, não o resolve, pois essas doações ainda dariam mais poder de influência a cidadãos que, por sua condição econômica teriam possibilidades de doar uma quantia maior aos políticos de sua preferência ou àqueles que melhor atenderem a seus interesses individuais.
Pode-se contra-argumentar que a mudança no financiamento de campanhas seria demasiadamente oneroso aos cofres públicos. Em primeiro lugar, é preciso ressaltar que a democracia custa caro e que é preferível pagar o preço para termos uma um modelo político mais justo do que economizarmos com um sistema que não é capaz de traduzir no mundo político os reais anseios da população. Por fim, mas não menos importante, é preferível a transparência de um financiamento inteiramente público do que pagarmos um preço indireto muito maior e desconhecido em obras superfaturadas ou leis que prejudicam a maioria da população.
(*) Bacharel em Relações Internacionais e mestre em Sociologia pela USP, é doutorando em Sociologia pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP-UERJ). Trabalha com temas ligados à sociologia política, sociologia do desenvolvimento e sociologia urbana.